quinta-feira, 29 de agosto de 2013

As atipicidades de Américo Matavele



Na edição do jornal Notícias do dia  28 de Agosto, Américo Matavele publicou um texto de opinião intitulado “Paridade e Democracia: Aspectos esquecidos eanalistas atípicos” no qual analisa a questão da paridade, que tem sido matéria principal de discussão nas negociações entre o Governo e a Renamo. O argumento principal defendido por Matavele é de que a Renamo não tem direito de exigir a paridade na constituição dos membros que compõem a Comissão Nacional de Eleições (CNE) porque a paridade constituiria uma violação dos princípios elementares da democracia, muito em particular a regra da maioria. De acordo com a lei vigente, o partido que obtiver maior número de membros na Assembleia da República deve igualmente ter maior número de membros na CNE. Estes apelos da Renamo não têm enquadramento nos nossos dispositivos legais. Por via disso, Matavel afirma tratar-se de uma reclamação sem lógica, e conclui que os analistas que defendem este posicionamento são atípicos. 

A análise feita por Matavele apresenta inúmeras incongruências e equívocos que acabam distorcendo a sua compreensão dos factos. Em cinco pontos vou sumarizar e rebater os pontos apresentados por Matavele.


1.      De acordo com Matavele, a Renamo não tem mérito nenhum pedir a paridade na CNE, porque a representatividade é mais democrática que a paridade. Este argumento seria válido se estivéssemos a falar da Assembleia da República e não da CNE. Tal como Matavele, recorrendo ao Wikipedia, a CNE é definida nos seguintes termos: “AComissão Nacional de Eleições é um organismo independente instituído pelaAssembleia da República que tem por missão principal assegurar a igualdade detratamento e de oportunidades dos cidadãos e dos demais intervenientes nosprocessos eleitorais”. A CNE dificilmente pode assegurar a igualdade no campo político quando a priori existe desigualdade na sua composição.

2.       Matavele afirma que analogia feita com futebol não é completa, porque não leva em conta o esforço do vencedor para que fosse vencedor. A Frelimo venceu as eleições presidenciais e legislativas com base na regra da maioria, o que implicou numa maioria no Parlamento. Mas a CNE trata-se de um órgão arbitrário e a analogia indica que embora a Frelimo tenha ganho as eleições não faz sentido ter um árbitro à mais, com o perigo de comprometer a justiça no campo político. Num órgão desta natureza, a paridade sim, faria sentido para dar igual peso e participação de todos os partidos.

3.      Mais adiante, Matavele questiona se “será democrático mudar as regras da democracia?”. A lei vigente preconiza que o partido político vencedor das eleições fica com maior número de membros na CNE. Alterar essa lei, algo proposto pela Renamo, seria um acto anti-democrático, isto porque para o mesmo a regra da maioria é a base da democracia e tal deve ser aplicado em todos os sectores, incluindo os arbitrários como a CNE. O nosso “analista” só conhece um dos meios com vista a prática da democracia, a regra da maioria. Mas a finalidade da democracia é a liberdade e a igualdade. Se os meios vigentes não conduzem a estes fins, eles podem muito bem ser alterados.

4.      Na sua análise, Matavele ocupa-se de criticar a Renamo por propor esta lei com base na ideia da regra da maioria. Em todo o seu texto, com cerca de 25 parágrafos, não foi capaz de trazer um outro argumento sequer que sustenta a sua tese. Sem esta regra, que como pude demonstrar não constitui o fundamento da democracia (mas sim a liberdade e a igualdade), todo o seu texto converte-se em pó. 

5.      Para terminar, Matavele afirma que a nossa democracia seria atípica caso se implementasse a paridade na CNE. Na verdade a nossa democracia é atípica comparando-se com a maior parte dos países democráticos. Em Portugal, por exemplo, cada partido político tem direito a um membro na Comissão Nacional de Eleições. Nesses termos, podemos considerar Matavel com sendo um analista e democrático atípico?

Tomás Queface

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